sábado, 30 de agosto de 2008

recortar antes de colar

Entre a tesoura e as pessoas, um espaço-tempo confuso.

Escolher as figuras, as cenas e as palavras, recortando-as de um lugar que não inspira uma segunda visita: não é a parte difícil.
Não havendo vontade ou necessidade de revisitar um lugar, é quase imperceptível guardar poucas, mas boas lembranças.
Mas deixar por muito tempo a âncora fincada ao mesmo lugar determinava que separar o joio do trigo fosse demasiado penoso.
Ela sentia-se depenada, assim, quando não podia ser mais urgente colar os pedaços que levaria consigo pra onde quer que seja.
O grande paradoxo era que cada vez ela queria ir mais longe e, nesse sentido, haveria de abdicar de muitas lembranças, inclusive as ressonantes. E dentre as ressonantes, haveria de descartar até mesmo aquelas lembranças que lhe embalavam o sono.
O paradoxo, no momento dado, chegava a tais dimensões que os reinos de Morfeu apresentavam-se como os únicos penetráveis. Atrás de seus portões era contida a ansiedade de ter um rumo, de ter um mapa, de ter uma teoria, de ter uma razão, de ter um sentido.
O que não quer dizer que, para tanto, não houvesse um pedágio. Esse momento onde ela encurralava-se entre figuras e cenas e palavras de lugares que reclamavam uma segunda visita: e ela estava dura.
Quem a visse um momento antes, ainda estaria tonto por tentar acompanhar seus cortes compulsivos. Cortava que dava gosto: era como se a tesoura fosse um membro extra, mais evoluído porque mais enérgico.
Depois, dura. Um longo trecho de suor e lágrimas. E no fundo sabia que enquanto fosse mais lágrimas que suor, pouca coisa se colaria.
Era colar, portanto, a parte mais difícil. Colar tão somente o indispensável, pra onde quer que seja. Era então que ela sentia-se à beira do abismo: quando se tem que deixar tanto pra trás, é tentador deixar logo tudo pra trás de uma vez. Era então que pensava não ter jeito de recusar a loucura.
A loucura era tudo querer lembrar ou tudo querer esquecer. Tanto bagagem demais quanto bagagem de menos impedem que se vá tão longe quanto se quer, ou, quanto ela queria.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

keep moving forwards

Tocar alguma coisa pelas primeiras vezes pode ser tão apavorante quanto tocar o seu avesso. Mas o que é a lâmina fria na boca do estômago, o que apavora mesmo é saber, ou seja, é não poder ignorar: conhecida a superfície de alguma coisa, conhecer o seu avesso é só uma questão de esperar.
Será melhor ou pior...o avesso?
Será uma bolsa pra usar dos dois lados?
Será uma corda pra amarrar e acelerar o cavalo?
...
Em cima, embaixo, ao lado da dúvida. Aquela inominável. Preguiça. Por x, y e z: é possível desenhar e costurar suas bolsas, é possível pular corda todos os dias. Não é possível assistir tevê porque quando o programa compensa, o mesmo não se pode dizer dos comerciais. Está quase meio a meio. É por causa de atos falhos assim que se tem desculpa pra dormir até o meio-dia.