sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

aqui não se faz psicografia

esta que vos escreve
é menos infeliz do que parece
o que ocorre, no entanto
é que ela escreve pra abafar o pranto

esta que vos escreve
é menos sombria do que parece
o que ocorre, contudo
é que nos dias chuvosos, lhe falta o sobretudo

esta que vos escreve
é menos dramática do que parece
o que ocorre, porém
é que não pode rir e escrever também

esta que vos escreve
é menos crítica do que parece
o que ocorre, todavia
é que muito se detém nas entrelinhas

esta que vos escreve
é menos debochada do que parece
o que ocorre, entretanto
é que o deboche tem lá seu encanto

esta que vos escreve
é menos rancorosa do que parece
ela pensa tanto em ir embora
e não deixa de pensar em ficar,
muito embora
perdida em alto-mar.

um filme que não se pode deixar de ver

Esse filme que roda
a minha cabeça
é um fracasso de bilheteria
por natureza
é de baixíssimo orçamento
por excelência
é biográfico:
sua maior proeza.

essefilmedeum espectadorsó
é uma comédia de dar dó.

É feito com ponta de película
é todo essa narração em off
cheia de r.e.t.i.c.ê.n.c.i.a.s e sem vírgula
que o narrador se esqueceu do engov

Esse Filme de Vários Produtores
tem poucas imagens muitos odores
tem esse cheiro forte de buganvile
e de infância remota que se insiste.

ai nda q ue a mo nta gem sej a a leatóri a
visto que não tem menu
e o montador é de pouca memória.

já escutou que tomasse no cu
do diretor
desta incógnia
deste amador.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

quem não tem colírio e nem óculos escuros

Renato Russo, outro candango, dizia que mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira. Eu, por meu turno, digo que rir de si mesmo é sempre a melhor risada. E meu drama de ultimamente é que eu não vejo mais graça em meus tropeços.
Depois de torcer o pé, correr do cerrado como o diabo corre da cruz, passar um bom tempo enlatada como atum no metrô, chegar atrasada em prova de concurso e ficar mais entediada que em cristalândia em meio a uma cidade como o Rio de Janeiro; eu fiquei assim doente, fiquei com essa falta crônica de humor. Só me restou esse humor conta-gotas, esse que só aparece depois de algumas doses ou de alguns tragos.
Eu poderia pôr a culpa na cidade, nos tiros que a gente é obrigado a escutar com mais ou menos frequência, na discrepância colossal entre o morro e a cobertura. Assim como, em Brasília, eu poderia pôr a culpa na falta absurda de umidade e no excesso gritante de políticos corruptos e/ou acomodados. Eu poderia pôr a culpa, sempre e em qualquer lugar, nos meus pais e na pressão sistemática que injetaram na minha cabeça atormentada durante toda a minha vida. E, claro, eu poderia pôr a culpa em deus que "me fez" assim meio autista, assim meio frígida e tão rebelde e tão intratável. E, antes que eu me esquecesse, eu poderia pôr a culpa no sistema que nos faz massa e tanto nos aperta.
Todas essas seriam razões mais dramáticas e mais clichê. Pôr a culpa exclusivamente em mim, porém, se mostraria uma comédia boçalmente forjada.
Onde andará a tragicomédia nesses dias tão estranhos?
É a primeira vez sempre a última chance?
Disse o Seu Russo que o Senhor Raul não me atende mais, disse que eu já o chamara demais.
...
Ninguém tem um saquinho pra eu soprar dentro?

domingo, 14 de setembro de 2008

Um domingo no Globo

Domingo é dia de arroz-de-puta (aquela boa e velha mistura de restos do almoço e da janta do sábado, mais o que estiver sobrando na geladeira).
É também o dia mais cheio de ansneiras na televisão aberta, e seria um bom dia pra não se consumir nenhum tipo de mídia; mas cá estamos na internet e lá no jornal estava eu, passando os dedos pelas letrinhas, numa leitura-braile dos classificados.
Não nego que sou uma leitora de revistas-livros-de-bolsa: coisas que se pode carregar na mochila e que não requerem investimento diário (de grana e saco).
Mas enquanto busco uma saída às estatísticas: o jornal de domingo, com seus anúncios de oportunidades e ciladas, é praticamente sagrado.
A praticidade, aliás, anda mais cotada que o bom-senso - como se confere no roteiro de um comercial de tevê que eu tentarei transcrever aqui de maneira sucinta (em respeito àqueles que, pelo bem ou pelo mal, não tem estômago pra vender):
Mulher: To gorda com esssa roupa, amor?
Homem: Sim, está. (Pausa). É isso mesmo: eu sou prático e é por isso que eu estou aqui anunciando os classificados do jornal ...
...
Homem: Daqui pra frente, só agrião, alface e rúcula, viu amor?
...
Tem alguma coisa no meio, algumas qualificações do produto: eu não consigo me lembrar porque não consigo esquecer a desqualificação do feminino (cuja mensagem subliminar é, obviamente, a oposição à praticidade).
É, de fato, um comercial boçal: caso fosse eu a presidenta, o imposto sobre a renda da classe média seria menos indecentes enquanto a taxa sobre as cretinices de agências-anuncintes-veículos seria muito mais vistosa.
Toda vez que um comercial cretino fosse ao ar, nossa, eles é que sefu.
Seria muito usar a metáfora de um estrupo? Então nos contentemos com o inonimável, relativo ao disparate.
Fora o mau-estar generalizado, a trilha sádica do olho (saltando-sobre-letrinhas-recuando-sobre-manchetes), o tédio assombroso dos segundos cadernos: uma matéria que eu não pude deixar de ler na íntegra.
Como nada se cria e tudo se rouba, eu vou escrever um, digamos, trailer da matéria: poupa-nos de grandes esperanças, seja no que tange os impropérios. seja no que tange as idiossincrasias.
...
ETHAN NADELMAN: Expert em relações internacionais, PHD em Harvard e mestre da London School of Economics.
FONTE: O Globo, data do post, entrevista de Arnaldo Bloch.
? Qual a sua avaliação da política (norte) americana de guerra às drogas?
! Vivo num país que tem menos de 5% da população do mundo e 25% da população prisional do planeta (...) Onde o número de pessoas presas subiu de 50 mil em 1980 para meio milhão hoje (...) Vivo nun país onde dois milhões de pessoas são detidas por ano e boa parte por causa de um baseado.
...
! Vejamos: os Estados Unidos proibiram o álcool entre 1919 e 1933. Três anos antes, o consumo de bebidas já havia caído, associado à noção de sacrifício durante a guerra. (...) O que acontece a partir da proibição? (...) É o paraíso de Al Capone (...) Voltou-se atrás no único caso de uma emenda à constituição ser revogada.
...
! Meu maior medo é de que, numa realidade de drogas liberadas, a produção fique nas mãos da indústria farmacêutica ou dos produtos de álcool e tabaco, tão indiferentes à saúde pública quanto os traficantes.
...
! O mais seguro é começar com regulação e taxação da maconha (...) Florescem na Califórnia verdadeiros napa valleys de cannabis, sofisticados, alguns legais, para produção de uso medicinal. O modelo ideal é aproveitar essa estrutura e deixar a produção se desenvolver como se desenvolveu o mercado de vinhos ou de charutos.
...
!O maior (obstáculo) é que o governo puritano de Bush está aplicando bilhões de dólares por ano em propaganda e políticas pra amendrontar os americanos contra esse "risco". Mas há um outro elemento, complexo: a campanha anti-tabaco é tão poderosa que o ato de fumar foi demonizado.
...
! Se você usa apenas a definição ("voçê aceitaria que pessoas não fossem presas pela posse de pequenas quantidades") sem usar esta palavra (discriminalização), o percentual aumenta para 70%! Obama está nessa categoria: não usa a palavra, mas apoia.
...
Pois é minha gente joselita: e agora josé?
Quando a esmola é em dólar, o santo de barro desconfia: será que ainda veremos - com os nossos olhos esbugalhados que a terra há de comer - as estrelas de hollywood dando um dois?
Pois é: pagar pra ver.

sábado, 30 de agosto de 2008

recortar antes de colar

Entre a tesoura e as pessoas, um espaço-tempo confuso.

Escolher as figuras, as cenas e as palavras, recortando-as de um lugar que não inspira uma segunda visita: não é a parte difícil.
Não havendo vontade ou necessidade de revisitar um lugar, é quase imperceptível guardar poucas, mas boas lembranças.
Mas deixar por muito tempo a âncora fincada ao mesmo lugar determinava que separar o joio do trigo fosse demasiado penoso.
Ela sentia-se depenada, assim, quando não podia ser mais urgente colar os pedaços que levaria consigo pra onde quer que seja.
O grande paradoxo era que cada vez ela queria ir mais longe e, nesse sentido, haveria de abdicar de muitas lembranças, inclusive as ressonantes. E dentre as ressonantes, haveria de descartar até mesmo aquelas lembranças que lhe embalavam o sono.
O paradoxo, no momento dado, chegava a tais dimensões que os reinos de Morfeu apresentavam-se como os únicos penetráveis. Atrás de seus portões era contida a ansiedade de ter um rumo, de ter um mapa, de ter uma teoria, de ter uma razão, de ter um sentido.
O que não quer dizer que, para tanto, não houvesse um pedágio. Esse momento onde ela encurralava-se entre figuras e cenas e palavras de lugares que reclamavam uma segunda visita: e ela estava dura.
Quem a visse um momento antes, ainda estaria tonto por tentar acompanhar seus cortes compulsivos. Cortava que dava gosto: era como se a tesoura fosse um membro extra, mais evoluído porque mais enérgico.
Depois, dura. Um longo trecho de suor e lágrimas. E no fundo sabia que enquanto fosse mais lágrimas que suor, pouca coisa se colaria.
Era colar, portanto, a parte mais difícil. Colar tão somente o indispensável, pra onde quer que seja. Era então que ela sentia-se à beira do abismo: quando se tem que deixar tanto pra trás, é tentador deixar logo tudo pra trás de uma vez. Era então que pensava não ter jeito de recusar a loucura.
A loucura era tudo querer lembrar ou tudo querer esquecer. Tanto bagagem demais quanto bagagem de menos impedem que se vá tão longe quanto se quer, ou, quanto ela queria.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

keep moving forwards

Tocar alguma coisa pelas primeiras vezes pode ser tão apavorante quanto tocar o seu avesso. Mas o que é a lâmina fria na boca do estômago, o que apavora mesmo é saber, ou seja, é não poder ignorar: conhecida a superfície de alguma coisa, conhecer o seu avesso é só uma questão de esperar.
Será melhor ou pior...o avesso?
Será uma bolsa pra usar dos dois lados?
Será uma corda pra amarrar e acelerar o cavalo?
...
Em cima, embaixo, ao lado da dúvida. Aquela inominável. Preguiça. Por x, y e z: é possível desenhar e costurar suas bolsas, é possível pular corda todos os dias. Não é possível assistir tevê porque quando o programa compensa, o mesmo não se pode dizer dos comerciais. Está quase meio a meio. É por causa de atos falhos assim que se tem desculpa pra dormir até o meio-dia.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

tire essa culpa do caminho que eu quero passar

eu quero passar, eu vou passar, eu estou passando.
tire essas tralhas do caminho que eu passarinho. que eu me encho de migalhas.
eu apaguei textos escritos, eu mantive textos ocultos, e eu mando que tirem o entulho do caminho que eu estou passando e passo sem pestanejar.
eu chorei quando devia rir e eu ri quando devia chorar. de um jeito entranho, eu paguei as minnhas dívidas e, portanto, pago o que for preciso pra eu passar.
NO MEIO DO CAMINHO TINHA UM CAMELÔ QUE VENDIA UM COLETE DE CULPA ULTRA-RESISTENTE AOS BURACOS DE PULGA. MAS ELE NÃO ME PEGOU. QUE PEDÁGIO PRA MIM É COMER POEIRA E CAGAR MELADO.
estou sozinha: eu não estou com a zica, eu não estou com a pá virada, eu não estou com o tinhoso. e o que não me acompanha só me faz mais forte.
a solidão não me intimida: nem sou sua aliada nem quero ver o seu oco. eu só não bebo mais com o acaso e não danço mais com a sorte.
porque as companhias radioativas dão um vômito de borracheira e as compahias etílicas dão uma ressaca de porre. e as companhias herdadas nos dão, no máximo, uma caneta ou um broche com sua marca.
eu estou passando essa estrada cheia de buracos. eu estou passando sem lenço e sem documento, mas com munição. tirem essas caras de horror que eu quero passar sem um pingo de sangue sobre o chão.
ainda que eu derrube um balde de dor.
nem a tevê e as gruas estanques, nem os etês, as putas, os punks: nada vai me impedir de passar. é o tempo que eu investi que eu vou sacar.
é o tento daquele rude blefe de antes.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

a sexta vez

eu tinha acabado de chegar do leblon. sim, foi muito chique pedir emprego como garçonete. lá eu descobri que, oh deus, até pra equilibrar pratos é preciso passar por uma bateria de testes e uma chuva de concorrentes. se você não tem pelo menos um segundo grau - e bem feito - esqueça. os alunos do meu namorado, do colégio raul seixas (em costa barros), por exemplo, não teriam a menor chance. vocês sabem como é, o número de aulas é reduzido por causa dos mandatos de paralisação dos traficantes do chapadão e, além disso, as escolas que tem taxas de reprovação muito alta não recebem o auxílio do nova escola (acho que é esse o nome). e como um professor não pode viver com menos de seiscentos reais por mês, os alunos passam. e a escola passa por eles. não que na faculdade federal as coisas sejam muito diferentes. geralmente, os traficantes não fazem muita qustão por elas, mas por outro lado, os reitores decoram suas casas com grande parte da verba e os professores não se dedicam com exclusividade para aquilo porque simplesmente não vale a pena.
é claro que eu estou generalizando, é claro que existem exceções. vai ver que até na política elas existem. mas o fato é que o dantas, o naji e o pitta já foram soltos e aqueles que chegaram bem perto de provarem toda a corrupção há muito sabida, já estão devidamente afastados do caso.
mas como eu dizia, o caso é que eu gastei quase três horas pra ir e voltar dessa entrevista pra garçonete. voltei rezando pra que rolasse, porque eu quero voltar a estudar e preciso de um trampo à noite. só estudando pra concurso mesmo, eu finalmente cedi. eu também quero mamar nas tetas do governo ao invés de só tomar no rabo. porque eu ainda sou uma criança, não importa o que meus pais ou a sociedade digam. importa é o que a julia, uma pequenina que conheci, me disse. "você tem quantos anos?" "quantos anos você me dá?" "eu não sei bem" "ah, chuta" "trinta?" "você acha que tenho trinta!?" "quarenta??" "não ju, eu tenho vinte e quatro" "ah, então você ainda é criança" "é, pode-se dizer que sim".
mas antes disso, oh dispersão, eu dizia que tinha chegado do leblon. e tava em copa. eu ia mudar no dia seguinte, já era a sexta mudança em um ano. era muito surreal, mas eu tinha achado um bom lugar, melhor do que todos os anteriores, e continuaria em copa. a dona do apê sujo e lotado onde eu tava ia ficar puta comigo, eu tinha ficado um mês só lá, mas eu tava pouco me fodendo. eu posso contar nos dedos de uma mão as pessoas que me ajudaram nessa zona de cidade e ainda sobrariam dedos. eu tava desempregada, o namoro já não era tão bom quanto antes, mas eu tinha achado uma vaga limpa e relativamente tranquila pra morar. eu ia mudar, doesse a quem doesse. mas antes disso, eu precisava de alguma cerveja.
algumas garrafas na verdade, quatro pra ser mais exato. eu tava terminando de ler notas de um velho safado e quando o livro acabou, eu havia secado a quarta garrafa. era muito, eu até deixei uma delas cair no chão. ela virou cacos, mas o garçom não se importou. eu não sei se foram os óculos e o livro ou se foi apenas o fato de eu ser mulher mesmo. de qualquer jeito, ele até me deu uma dose de qualquer coisa com as poucas moedas que me sobraram depois que eu paguei a conta. eu voltei pra casa a pé, muito alta, muito a fim de escrever, mas sem um computador por perto. daí eu usei o verso de uma folha que tava por ali, acho que era o desenho do neto da dona do apê. eu não sei, parecia um esboço de um desenho e eu tentei fazer um esboço de um texto.
depois de acordar com uma mega ressaca, tomar banho, levar as malas pra outra casa, eu achei a folha. até deu pra entender a maioria das palavras escritas, mas eu não sei onde enfiei o maldito papel. quando eu achar, eu passo a limpo.
quando eu achar um rumo, eu também passo a limpo. a minha vida.