sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Sobre quando não passei o reveillon no Rio

CHOVIA, quando cheguei ao Rio. Tudo bem, eu não esperava uma recepção diferente disso. Também teria que ficar internada num hotel por quatro dias, então, whatever. Não fosse a gripe que me pegou tão logo botei meus pés fora do hotel. Uma semana depois, e eu ainda não entrara no mar. Não dava pra acreditar: o Rio continuava marrento do mesmo jeito.

Precavidamente, eu vim pra passar duas semanas. Não saio dessa cidade sem rever o Zé. Não quero dar em cima dele nem provocá-lo com assuntos remotos: estou abstenha de sadomasoquismo. Eu só quero vê-lo, olhar dentro daqueles olhos pincelados de amêndoa, rir quando ele abrir aquele sorriso de abre-alas e sentir um carnaval na boca do meu estômago, no meio de dezembro. Dar um cheiro no cangote dele quando eu for abraçá-lo, depois de uma ou duas tequilas. Despedir-me, desejar-lhe todo o sucesso do mundo, e ir embora com uma injeção extra de determinação pra terminar meu roteiro e dar pra esse cara um personagem à sua altura. Antes que todo o mundo descubra o talento e o charme que essa criatura possui e, então, eu não consiga mais pagar o seu cachê.

Tampouco vou embora sem rever o ex. Quando fui embora, há um ano, eu queria ver a cabeça desse homem numa bandeja antes de partir. Não vou dizer que foi fácil pra ele. Eu não sou fácil, nunca fui: dar de primeira é só um truque de ilusão de ótica que aprendi. É verdade que esse truque era mais divertido há alguns anos, mas não deixa de ser uma carta que se tem na manga. Não tenho precisado dela, mas sei que ela está lá. Não será com o meu ex que eu hei de usá-la, certamente. Nosso encontro trata-se de negócios: ele está com uma caixa cheia de coisas minhas, incluindo aí mais ou menos dez dos meus livros prediletos e algumas de minhas bijuterias de estimação. Não que eu seja materialista: depois que entreguei meu apartamento e saí doando minhas tralhas ou vendendo-as por preço de banana, desapego é a minha religião. A caixa, porém, tem um valor afetivo: são livros que estão sublinhados porque farei colagens e bijus que eu colecionei ao longo de viagens e não sei quando as farei novamente. Ficarei emocionada quando pegar a caixa, mas imagino que a emoção não será só por conta disso.

Hoje é a minha última chance pra entrar no mar antes desses encontros. Vou logo antes que perca a coragem.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Razão nenhuma pra escrever

Eu fico procurando razão pra escrever. Crio blogs compulsivamente. 99% são anônimos ou quase (porque é preciso divulgá-los, se não eu escreveria nas paredes do quarto e daria no mesmo). Eu não sei o que é isso, essa mania de reviver tudo através do texto. Quem vê metade do copo cheio, pode achar que é terapia. Quem vê metade do copo vazio, pode achar que é vício. Ou falta do que fazer. Eu só vejo um copo com água, e eu vou tomar esta água com ou sem sede.
Porque é isso o que eu faço. Seco o copo e fito o fundo. Mas não consigo encarar este fundo por muito tempo e, então, peço mais uma dose. É claro que eu to a fim.
Quantos blogs eu terei antes de escrever um livro? É mais fácil eu escrever um roteiro de curta e conseguir filmá-lo. Porque cinema não é literatura, nunca será. Por mais que a maioria dos que escrevem hoje em dia, escrevam, por assim dizer, de um jeito cinematográfico.
Na vida, tudo o que passa é frame.
Queremos as partes e não o todo. Não o fundo.
Queremos as citações e alguns capítulos da biografia; não ler a obra completa, ou mesmo um livro até o fim. Nada disso. É a era dos blogs, orkuts e twitters. Você pode escrever em qualquer lugar e escrever o que quiser, mas é limitado o número de caracteres a serem usados.
No blog, você até escreve o quanto quiser. Mas quem entra, acha que vai dar tanto tabalho ler um texto com mais de 500 caracteres quanto ler Ulisses.
Eu nunca li Ulisses.
Estou entre a vitrola e o Blue Ray.
Mas sigo escrevendo. Não sei se é literatura o quê faço. Pra mim, é música.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O tempo da coisa

Ela era passional
Ele era processual
Ele usavam a linguagem
dos sinais

Ela era curiosa
Ele era todo prosa
Eles andavam à margem
da bossa

Houve um soneto.
Haveria um momento?


Ela é visceral
Ele é sacal
Eles usam a imagem
dos portais

Ela é furiosa
Ele é quase trova
Eles nadam à margem
da fossa

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Jogatina

Hoje ela vai se jogar
do penhasco abismo alto lá
depois do precipício

Quem puder lhe amparar
Um anjo um deus um amor
em outro lugar
Um antro um sonho um calor
de perturbar
O juízo

Hoje ela vai se jogar
Paraíso sala de estar
Alto mar infinito
Acesso irrestrito

sábado, 1 de agosto de 2009

o anjo negro

Eu olhava sem muita atenção
o céu grafite granizo escarlate perigo
Eu não tinha muita noção
do anjo negro ao meu lado caído
Não teve fratura dor pruma pudor
e tinha o anjo algo de lindo

Sem muita certeza eu tocava
as asas costas rosas fálicas
cor de tamarindo
Sem muita firmeza eu sentia
a onda música profana pulsa
no rio do limbo
Não era medo pulo segredo escudo
mas estava o anjo perdido

Eu roguei ao seu coração
que não me perdesse de vista
Fosse reza verso vício ração
Fosse vela cruz água bendita

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Demissão Compulsória

Não importa aonde eu entro
Não importa de onde eu saio
Igreja, escola, prisão
Eu topo você ali
Instituição
Você me deve a salvação



Não importa pra quem eu olho
Pai, mãe, irmão
Eu vejo você ali
Instituição
Você me deve a evolução



Não depende do que eu como
Nao depende do que eu vomito
Carne, arroz, feijão
Eu provo você ali
Instituição
Você me deve a digestão



Não depende do que eu respiro
Arte, vida, tesão
Eu faro você ali
Instituição
Você me deve a sublimação

uma questão de tempo?

Eu boto fogo
Você bota fé
Eu ando torto
Você vai de ré
Eu alço vôo
Você corre à pé

Eu boto lenha
Você bota cal
Eu digo a senha
Você ouve mal
Eu fico prenha
Você fica oval

Eu dou a luz
Você dá o tom
Se isso nos seduz
Deve ser bom

quarta-feira, 15 de julho de 2009

A Marcha dos Pardos

É quando anoitece
e o sol se esconde
além da bruma

É quando escurece
e o breu se expande
além do sulco

É o silêncio que responde

Enquanto estou muda
por medo do escuro
e do distante

É o frio que aparece

Enquanto estou nua
por medo do fruto
e do quebrante

E se Deus não me escuta,
eu ainda tenho futuro?
eu ainda vou adiante?

Eu não enxergo longe
Mas vejo caminhos
Que o meu passo chame
um dos meus destinos

Que o vento dos Andes
não me pegue na rampa
enquanto eu ande
com as pernas bambas



quinta-feira, 2 de julho de 2009

existe algo de podre no recôncavo baiano?

Dizer que baiano e índio são preguiçosos é uma citação demodê, pra não taxar de preconceituosa. Os índios, eu vou deixar para os amigos antropólogos: eles podem elaborar uma defesa melhor do que a minha. Mas por favor. Eu não estou dizendo que índio é assunto exclusivo da antropologia. Ou que "índio é coisa de antropólogo". É bom registrar porque, vocês sabem, a patrulha politicamente correta apita por qualquer questão, ainda que não haja necessidade: uma vez que o bom senso e o livre arbítrio ainda fazem parte da constituição humana.
Então, eu vou me ocupar dos baianos. Pra começar (já que sempre se começa pelo clichê), eu vou dar uma de gringo: falar em baianeidade é lembrar de acarajé quente, pelourinho, jorge amado, capoeira, candomblé, umbanda e.... vá lá, é preciso citar o axé. Tudo muito apimentado porque baiano não nasce, baiano estréia. Na Bahia, ninguém é príncipe, todo mundo é rei.
Eu já fui à Bahia quatro vezes. Não é muito, mas já rende algum pano pra saia rodada. A primeira vez foi há mais ou menos dez anos, nem faculdade eu fazia. Tenho uma prima queridíssima que mora em Ilhéus. Foi a única vez que fui lá... porque depois o meu tio casou com uma mulher deplorável. Eu tenho certeza que ela amarrou na encruzilhada. Mas por favor. Eu não estou dizendo que "todo baiano é macumbeiro". Até porque macumba é algo tão factível quanto a bat caverna: se você acreditar, acaba conseguindo enxergar no escuro.
Eu não gosto da mulher do meu tio pois não gosto do homem que ele se tornou depois dela. Quando eu fui pra lá, há dez anos, o meu tio contratou uma cozinheira pra receber a mim e à irmã dele. Fala sério: uma baiana pra fazer o seu almoço é muito luxo. Passei 15 dias comendo tudo que vivia dentro do mar, coberto com bastante pimenta. Engordei deliciosamente três quilos. Além disso, meu tio desempoeirou todos os vinis do led zepplin que ele tinha, pra eu ouvir: coisa linda. E como se não bastasse, houve três ou quatro vezes que ele voltou do trabalho com ingressos de shows pra mim e pra minha prima. E ele ia nos shows com a gente: tomava uma cervejinha, escutava metade do show e nos dava a grana do táxi pra voltarmos pra casa. Na boa, esse é o tio que todo mundo pediu a Deus. Mas há mais ou menos cinco anos, ele casou com uma nojenta e não recebe mais os parentes da ex dele em casa: trata-se, por exemplo, do meu caso. Quando meus pais e meus dois irmãos foram pra Ilhéus (e se hospedaram em hotel), meu tio teve que encontrá-los num restaurante. Meu irmão, um moleque que tinha cerca de doze anos na época, foi esculachado da casa do primo pela mocréia. E é bom deixar claro: quando meu tio me recebeu, a minha tia já era ex há anos.
Depois, eu fui a Porto Seguro: o segundo reveillon de uma pessoa universitária. Fui com uma amiga que eu adoro, que é um grande exemplo pra mim. Mas. Ela estava com o bofe por lá e, vocês sabem, ele sujou a foto. Ficamos na casa da tia dela: uma simpatia, dona de uma escola de balé e de uma boa reserva de uísque. Foi legal: era a segunda vez que eu passava o reveillon numa cidade praiana (duas horas da manhã eu estava batendo o maior papo com Iemanjá). Mas pensem no arrependimento amargo que rolou quando eu encontrei outro amigo (que tinha ido de ônibus com a gente), e ele me disse: você tinha que ter vindo pra Arraial da Juda comigo - na casa onde estou tem um jardim especial, e de dia você escuta blues nas barracas da praia. E eu quase pra ter uma overdose de axé: axé e nada mais, axé sem guaraná, cowboy.
Só depois que eu conheci Salvador. Dessa vez, eu não tenho do que reclamar: fui a um congresso de comunicação onde havia mais de mil estudantes de todo o Brasil. A gente acampou no campus da UFBA por cinco dias. Eu não assisti nenhuma palestra, nenhum debate, não fiz nenhum workshop, nada. Nem ponho no meu currículo. Eu só tomava café no campus e voltava pra tomar banho e participar do esquenta da noite. Essa foi uma daquelas viagens pra guardar no coração porque na mente não deu pra guardar muita coisa não.
Na segunda vez que eu fui a Salvador, eu estava com meus pais. Aí o estresse vem junto com o pacote. O lado bom é que eu fiquei em hotel e comi em restaurante. Mas teve um dia, um dia pra manter o respeito, em que eu fiquei na feirinha enquanto meus pais subiam o elevador Lacerda. Papo vem e papo vai com o hippie que estava montando um brinco pra mim... e a gente teve a mesma idéia. Eu não tenho mais o brinco, mas achei legal poder criá-lo junto com o cara e achei divertido trocar aquela idéia com ele. Quando meus pais desceram, já estava escurecendo, e meu pai se perdeu horrores pra chegar ao hotel: foi ficando cada vez mais estressado, xingando todo mundo no trânsito... e eu nem verde.
Tem dois anos que eu não vou à Bahia... mas vi que esse ano haverá concurso na área de cultura por lá. Porque se é pra ser neoburocrata, meu senhor do Bomfim, que seja na praia.
Enquanto isso, eu estou tentando conhecer melhor um certo baiano que está muito longe de casa. Vocês sabem, tem horas em que a saudade aperta.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

samba da redenção

Eu não vou mais beber
(não vou não)
Eu não vou mais fumar
(não vou mais)
Eu não vou mais pra feira
pra me empanturrar

Eu não vou mais comer
(não vou não)
Eu não vou mais trepar
(não vou mais)
Não é com outro cafa
que eu vou me deitar

Eu não quero saber
de me enganar
O que não tá certo
errado está

Se o baygon bater
acho que não vai dar
acho que na sarjeta
eu vou terminar

Hoje eu não vou ceder
Hoje eu vou me limpar
Hoje eu vou pra casa
pra me regenerar

terça-feira, 3 de março de 2009

uma dupla caipirinha

a primeira é vendedora
da igreja em ruínas.
a segunda é produtora
do ovelha por um dia.
elas se acham íntimas.

a primeira é leitora
de páginas rasgadas.
a segunda é revisora
de códigos de barras.
elas se acham as gatas.

a primeira é gata parda
mesmo de dia.
a segunda é gata mista
com pintas de dálmata.

uma veio de goiás,
a outra de minas gerais
a primeira é pastora dum rebanho de vacas
a segunda é pecadora de pecados astrais
elas se acham as tais.


são lambidas as suas patas
mas ainda sujas.