terça-feira, 30 de setembro de 2008

quem não tem colírio e nem óculos escuros

Renato Russo, outro candango, dizia que mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira. Eu, por meu turno, digo que rir de si mesmo é sempre a melhor risada. E meu drama de ultimamente é que eu não vejo mais graça em meus tropeços.
Depois de torcer o pé, correr do cerrado como o diabo corre da cruz, passar um bom tempo enlatada como atum no metrô, chegar atrasada em prova de concurso e ficar mais entediada que em cristalândia em meio a uma cidade como o Rio de Janeiro; eu fiquei assim doente, fiquei com essa falta crônica de humor. Só me restou esse humor conta-gotas, esse que só aparece depois de algumas doses ou de alguns tragos.
Eu poderia pôr a culpa na cidade, nos tiros que a gente é obrigado a escutar com mais ou menos frequência, na discrepância colossal entre o morro e a cobertura. Assim como, em Brasília, eu poderia pôr a culpa na falta absurda de umidade e no excesso gritante de políticos corruptos e/ou acomodados. Eu poderia pôr a culpa, sempre e em qualquer lugar, nos meus pais e na pressão sistemática que injetaram na minha cabeça atormentada durante toda a minha vida. E, claro, eu poderia pôr a culpa em deus que "me fez" assim meio autista, assim meio frígida e tão rebelde e tão intratável. E, antes que eu me esquecesse, eu poderia pôr a culpa no sistema que nos faz massa e tanto nos aperta.
Todas essas seriam razões mais dramáticas e mais clichê. Pôr a culpa exclusivamente em mim, porém, se mostraria uma comédia boçalmente forjada.
Onde andará a tragicomédia nesses dias tão estranhos?
É a primeira vez sempre a última chance?
Disse o Seu Russo que o Senhor Raul não me atende mais, disse que eu já o chamara demais.
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Ninguém tem um saquinho pra eu soprar dentro?

domingo, 14 de setembro de 2008

Um domingo no Globo

Domingo é dia de arroz-de-puta (aquela boa e velha mistura de restos do almoço e da janta do sábado, mais o que estiver sobrando na geladeira).
É também o dia mais cheio de ansneiras na televisão aberta, e seria um bom dia pra não se consumir nenhum tipo de mídia; mas cá estamos na internet e lá no jornal estava eu, passando os dedos pelas letrinhas, numa leitura-braile dos classificados.
Não nego que sou uma leitora de revistas-livros-de-bolsa: coisas que se pode carregar na mochila e que não requerem investimento diário (de grana e saco).
Mas enquanto busco uma saída às estatísticas: o jornal de domingo, com seus anúncios de oportunidades e ciladas, é praticamente sagrado.
A praticidade, aliás, anda mais cotada que o bom-senso - como se confere no roteiro de um comercial de tevê que eu tentarei transcrever aqui de maneira sucinta (em respeito àqueles que, pelo bem ou pelo mal, não tem estômago pra vender):
Mulher: To gorda com esssa roupa, amor?
Homem: Sim, está. (Pausa). É isso mesmo: eu sou prático e é por isso que eu estou aqui anunciando os classificados do jornal ...
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Homem: Daqui pra frente, só agrião, alface e rúcula, viu amor?
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Tem alguma coisa no meio, algumas qualificações do produto: eu não consigo me lembrar porque não consigo esquecer a desqualificação do feminino (cuja mensagem subliminar é, obviamente, a oposição à praticidade).
É, de fato, um comercial boçal: caso fosse eu a presidenta, o imposto sobre a renda da classe média seria menos indecentes enquanto a taxa sobre as cretinices de agências-anuncintes-veículos seria muito mais vistosa.
Toda vez que um comercial cretino fosse ao ar, nossa, eles é que sefu.
Seria muito usar a metáfora de um estrupo? Então nos contentemos com o inonimável, relativo ao disparate.
Fora o mau-estar generalizado, a trilha sádica do olho (saltando-sobre-letrinhas-recuando-sobre-manchetes), o tédio assombroso dos segundos cadernos: uma matéria que eu não pude deixar de ler na íntegra.
Como nada se cria e tudo se rouba, eu vou escrever um, digamos, trailer da matéria: poupa-nos de grandes esperanças, seja no que tange os impropérios. seja no que tange as idiossincrasias.
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ETHAN NADELMAN: Expert em relações internacionais, PHD em Harvard e mestre da London School of Economics.
FONTE: O Globo, data do post, entrevista de Arnaldo Bloch.
? Qual a sua avaliação da política (norte) americana de guerra às drogas?
! Vivo num país que tem menos de 5% da população do mundo e 25% da população prisional do planeta (...) Onde o número de pessoas presas subiu de 50 mil em 1980 para meio milhão hoje (...) Vivo nun país onde dois milhões de pessoas são detidas por ano e boa parte por causa de um baseado.
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! Vejamos: os Estados Unidos proibiram o álcool entre 1919 e 1933. Três anos antes, o consumo de bebidas já havia caído, associado à noção de sacrifício durante a guerra. (...) O que acontece a partir da proibição? (...) É o paraíso de Al Capone (...) Voltou-se atrás no único caso de uma emenda à constituição ser revogada.
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! Meu maior medo é de que, numa realidade de drogas liberadas, a produção fique nas mãos da indústria farmacêutica ou dos produtos de álcool e tabaco, tão indiferentes à saúde pública quanto os traficantes.
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! O mais seguro é começar com regulação e taxação da maconha (...) Florescem na Califórnia verdadeiros napa valleys de cannabis, sofisticados, alguns legais, para produção de uso medicinal. O modelo ideal é aproveitar essa estrutura e deixar a produção se desenvolver como se desenvolveu o mercado de vinhos ou de charutos.
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!O maior (obstáculo) é que o governo puritano de Bush está aplicando bilhões de dólares por ano em propaganda e políticas pra amendrontar os americanos contra esse "risco". Mas há um outro elemento, complexo: a campanha anti-tabaco é tão poderosa que o ato de fumar foi demonizado.
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! Se você usa apenas a definição ("voçê aceitaria que pessoas não fossem presas pela posse de pequenas quantidades") sem usar esta palavra (discriminalização), o percentual aumenta para 70%! Obama está nessa categoria: não usa a palavra, mas apoia.
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Pois é minha gente joselita: e agora josé?
Quando a esmola é em dólar, o santo de barro desconfia: será que ainda veremos - com os nossos olhos esbugalhados que a terra há de comer - as estrelas de hollywood dando um dois?
Pois é: pagar pra ver.